Crítica: Até o Último Homem

Até o Último Homem nos traz a história de um soldado relutante. Ao servir o seu país durante a Segunda Guerra Mundial, o norte-americano Desmond Doss (Andrew Garfield), apesar do apelo do exército, não quer ir ao front de batalha com uma arma em punho, deseja salvar vidas prestando serviço como médico. Esse contraponto entre um cenário de extrema violência gráfica e um olhar pacifista para o conflito é o que o filme de Mel Gibson tem de singular, mas também de mais contraditório.

Contado como uma odisseia heróica por seu realizador, Até o Último Homem trará a tradicional jornada do seu protagonista com o objetivo de enaltecer os seus feitos. No caso do filme, Desmond Doss, recusando-se a matar pessoas durante a batalha de Okinawa, conseguiu driblar a ameaça do exército japonês sozinho, resgatando os seus companheiros um a um. A maneira como Gibson se aproxima desse feito é protocolar, o espectador verá um certo apagamento da humanidade dos japoneses, que sequer possuem falas (eles simplesmente estão lá para atacar o grupo de americanos), algo que podemos relevar tendo em vista aquilo que é prioridade para seu diretor na história, o ponto de vista de Doss.

A sequência da batalha em Hacksaw Ridge, que dá título ao filme e representa o cume de um monte rochoso onde os americanos encontram seus adversários japoneses e do qual Doss envia os combatentes feridos através de cordas para baixo, onde está localizada uma base dos EUA, é muito bem orquestrada por Gibson. O diretor consegue modelar sua ação de modo que o espectador tenha clareza a respeito de tudo que está acontecendo. Nesse departamento do seu filme, Gibson, contudo, opta por um dúbio realismo. A sequência, que dura cerca de uma hora, é tão brutal que abre brechas para questionarmos o olhar do realizador para tudo aquilo, já que, em certos momentos, no lugar da mera exposição de uma realidade o diretor parece contemplar com um certo prazer o mar de sangue dos seus corpos mutilados utilizando à exaustão recursos como o slow motion. Esse olhar, inclusive, proporciona ao filme um choque com o discurso pacifista do seu próprio protagonista. Claro que em um contexto de guerra, não dá para aliviar as coisas, mas dá para mostrar o conflito sem apreciá-lo enquanto estética e Gibson é relativamente dúbio sobre seu posicionamento a respeito disso.

Há um grande e inegável mérito em Até o Último Homem e ele reside no trabalho do seu ator principal Andrew Garfield. Resgatado daquele reboot sem futuro do Homem-Aranha, Garfield confere credibilidade e humanidade a Desmond, uma integridade que consegue driblar até mesmo o caráter dúbio do próprio filme de Gibson. O ator nos apresenta a uma figura humana e passível de admiração sem escorregar na caricatura do “bom moço”, armadilha fácil para um profissional menos atento que ele. Ao longo do filme, há também ótimos desempenhos do elenco de coadjuvantes, Hugo Weaving, Vince Vaughn e Sam Worthington.

Longe de ser tão bem realizado quanto exemplares anteriores da carreira de Gibson como diretor, Até o Último Homem nos apresenta a história de um personagem que desperta interesse no público pelo posicionamento que tem frente a guerra. Talvez, inconscientemente, o seu diretor não compartilhe do mesmo ponto de vista que ele, mas ao menos temos a mediação da impecável atuação de Andrew Garfield para atenuar as eventuais contradições do longa, conferindo humanidade e sensibilidade a um ambiente dominado pela brutalidade. Em recente entrevista (a mesa redonda da Variety para diretores na temporada de prêmios), Gibson creditou o êxito do filme a performance de Grafield, um achado na percepção do realizador. Ao final de Até o Último Homem não há exagero nenhum em dizer que tal qual Desmond Doss naquele contexto de conflito armado, Garfield atuou como o resquício de humanidade e sensibilidade que o olhar habitualmente problemático do seu diretor para a violência sempre precisa.

Assista ao trailer do filme: